segunda-feira, 18 de abril de 2022

Dungeon Synth - Trilha sonora para explorar masmorras e toda a sorte de missões épicas

  

 Para aqueles que vem prestando atenção no mundo da música mais underground, desde 2011 houve uma ressurgência (leia-se um boom) não apenas no interesse, mas também na aparição de novos criadores de dungeon synth. Mas antes de nos adiantarmos demais, vamos entender melhor o que exatamente é esse tipo de música tão fascinante.

    Nesse artigo vamos ilustrar um pouco da história do dungeon synth, partindo da sua concepção até  a renascença dos dias atuais.

 AS ORIGENS NEBULOSAS - ANOS 80 E 90 :

    Muitos atribuem as origens do dungeon synth ao ex-baixista da banda de black metal norueguesa Emperor. Håvard Ellefsen, que atende pela alcunha de Mortiis, deixou a banda após a gravação de uma demo e uma EP, então,focando exclusivamente em seu projeto solo homônimo, que deixou de lado todos os elementos do metal, direcionando sua música exclusivamente à criação de atmosferas sombrias, evocativas e misteriosas. Um tipo de música que já era até comum dentro da cena do black metal nos anos 90, pois esse tipo de composição já podia ser ouvida com certa frequência em intros e outros usadas em álbuns e demos do estilo. Mas o que acontece no dungeon synth é que ao invés do uso dessas faixas apenas como "adereços" para estabelecer uma atmosfera, todo o álbum é habitado por passagens predominantemente instrumentais um tanto sombrias.

    Originalmente, Mortiis nomeou esse gênero como "dark dungeon music" em referência ao seu próprio selo independente, pois termo "dungeon synth" ainda não havia sido criado e só viria a ser relacionado a esse tipo de música de forma retroativa em 2011. Até então, o gênero ainda era atribuído ao dark ambient.

    Apesar do distanciamento que Mortiis teve do black metal, a estética do gênero ainda perdurou no dungeon synth, com o uso do tradicional "corpse paint" e toda a indumentária que fazia parte do estilo aindam tinha espaço dentro desse novo movimento cultural, que por muitos é tido como uma cria direta do black metal do inicio dos anos 90.
    No entanto, Mortiis não foi o único a se aventurar nos solos da música instrumental devota ao fantástico, pois na Inglaterra, antes mesmo da primeira demo de Mortiis ter sido gravada. Jim Kirkwood já vinha produzindo o mesmo tipo de música (apesar de um tanto mais cinemática e bombástica em comparação com o troll norueguês), sendo um dos artistas mais prolificos do gênero, lançando vários álbuns e demo por ano, com o seu primeiro lançamento oficial em 1990 e o mais recente em 2021, no entanto Jim alega já estar ativo desde os anos 80.
    Assim como Mortiis, Kirkwood também encontrou inspiração para sua música nas obras de escritores de fantasia como Tolkien, Howard, Moorcock e correlatos.
    Apesar de Kirkwood optar pelo termo de "electronic gothic music" para seus trabalhos, em total contra partida do nome um tanto mais "dark" que Mortiis usou, a semente para um gênero estava plantada.

    Vale ainda apontar, que além dos dois nomes de peso já citados como pilares da formação do dungeon synth, estilos mais distintos (leia-se exóticos) como o "Kosmiche Musik", gênero oriundo da Alemanha que teve sua gênese ainda nos anos 70, o new age e inumeráveis trilhas sonoras de filmes também são tidos como progenitores do dungeon synth.

    Mesmo sem ainda ser detentor de um título classificatório definitivo, durante o transcorrer anos 90 outros nomes, que na época passaram desapercebidos pelo underground, surgiram ao redor do mundo, mas principalmente na Europa esses projetos ganharam mais notoriedade.
    Grupos como Depressive Silence (Alemanha), Lamentation (Grécia) e Aäkon Këëtrëh (França) e Secret Stairways (EUA) viriam a se consolidar como pilares do gênero de forma retroativa. Até o infame Burzum de Varg Vikernes seria tido como um dos nomes indispensáveis do gênero com seus dois álbuns gravados na prisão,  Dauði Baldrs (1997) e Hliðskjálf (1999)

O que ouvir :

A IDADE DAS TREVAS E A RENASCENÇA - OS ANOS 2000 ATÉ O PRESENTE :

     Após o inicio do novo milênio, as subculturas do underground passaram por muitas transformações inusitadas, indo desde aa popularização de new/nu metal, a mesclagem de elementos industriais e experimentalismos em vários estilos músicas distintos começavam a tomar força durante esse período. E estilos mais galgados em suas raízes acabaram por ser "ignorados" durante alguns anos.
    A própria historia do dungeon synth é um perfeito exemplo disso, já que no final dos anos 90 em diante, Mortiis, que era tido como um avatar do gênero, deixou de lado os sintetizadores e abandonou os porões para ganhar os palcos com um nova indumentária musical e visual, focando-se unicamente na música industrial.

    Isso não quer dizer que o gênero estava morto, pois, pequenos projetos independentes ainda sugiram aqui e ali no decorrer da primeira década de 2000.
    Mas foi em 2011, através do Dungeon Synth Blog, capitaneado por um certo Andrew Werdna, que a notoriedade desse tipo de música para masmorras começaria e ganhar vida nova.
    Werdna é creditado como o responsável por cunhar o termo "dungeon synth" de forma definitiva, e foi logo na primeira postagem de seu blog que ele elaborou melhor sobre esse estilo musical, dizendo o seguinte:

"Dungeon synth é o som da cripta ancestral. O sopro da tumba que pode apenas ser concebido pela musica primitiva, necro, lo-fi, esquecida, obscura e ignorada por toda a sociedade mainstream.
Quando você escuta dungeon synth você esta fazendo um escolha consciente de passar o seu tempo em um cemitério, contemplar, a luz de velas, um obscuro tomo que carrega em si segredos sutis que todos os homens sãos evitam"

    A descrição em si é um tanto carregada de romantismo, saudosismo e até mesmo um senso elitista, mas isso é apenas uma comprovação de suas origens oriundas do black metal do inicio dos anos 90 que ainda perdura (em essência) em muitos projetos de dungeon synth.
    Deste ponto em diante, com o advento da já consolidada internet e com a popularização de home studios, o que facilitou e muito para músicos amadores criarem suas próprias demos, o dungeon synth retorna das masmorras do passados e toma de assalto o underground.

    É aqui que antigos projetos são redescobertos, como nos casos de Depressive Silence e Forgotten Pathways, e novos nomes começam a chamar a atenção do público.    
    Projetos como Erang (França), Lord Lovidicus (EUA), Thangorodrim (EUA) e Sequestred Keep (EUA) foram alguns dos nomes que permearam essa "primeira onda" da ressurgência do gênero. Juntos deles selos dedicados exclusivamente ao dungeon synth também começam a surgir e hoje já são nomes consolidados no underground.
    Selos como Hollow Myths, Out of Season, Dungeons Deep Records, são alguns dos poucos exemplos a serem citados aqui, e foi através desses selos que novos nomes também emergem e nos brindam com o grandes obras do gênero e, em alguns  casos, ganhamos até alguns clássicos modernos.

    Outros projetos notáveis a serem dados os devidos respeitos aqui são Old Sorcery (Finlândia), Quest Master (Australia), Torchlight (Italia) e Old Tower (Holanda), esse último ainda vale uma menção especial, pois trata-se de um projeto paralelo dos membros da banda de a raw black metal Blood Tyrant.

    Não foi apenas o surgimento de novos  projetos que revigorou o dungeon synth, mas também o senso de comunidade que permeava entre os fãs e entusiastas. O já citado "Dungeon Synth Blog" de Andrew Werdna e o "Dungeon Synth Forum" foram redutos para angariar uma fan base mais abrangentes, e aquilo que antes era visto até mesmo como um subgênero do black metal ou simplesmente chamado de dark ambient, agora tinha uma própria cena em seu entorno, tornando o dungeon synth cada vez mais popular nos círculos do underground.
    Outro fator que foi eminente na propagação dos projeto (antigos e novos) foi a sua inserção em plataformas como Youtube, com o canal "The Dungeon Synth Archives" e similares e, principalmente, o Bandcamp, que se tornou o bastião para encontrar, ouvir e divulgar dungeon synth hoje em dia.

    Tendo o dungeon synth finalmente se consolidado como um gênero musical por si só e vendo-se "livre" de certas estigmas relacionadas ao seu passado ligado diretamente ao black metal, ele começa a passar por algumas transformações ou até mesmo "divisões" seria um termo mais adequado. Pois, daqui em diante o experimentalismo também começa a surgir dentro do próprio dungeon synth e subgêneros começam a ganhar forma e nomenclaturas distintas como dungeon noise (uma mistura de dungeon synth com noise music e power electronics) medieval synth (focado muito mais em composições usando instrumentos tipicamente mediavais), Japanese synth (totalmente voltado para as sonoridades do Japão feudal), e esses são apenas alguns dos exemplos do que vieram a surgir dentro da precoce cena.

    Um fenômeno que também contribuiu para a explosão do gênero pode ser atribuído ao isolamento forçado do qual todos estivemos sujeitos nos últimos anos. Algo que por muitos fora recebido de forma um tanto negativa, para músicos introspectivos e entediados foi a oportunidade de ouro para a criação e exploração de novas sonoridades. E oexperimentalismo que já vinha ocorrendo dentro da cena, começa a ganhar ainda mais força. Algo que culminou em certos projetos que o uso de adjetivos como "intrigante" ou "exótico" não seria desmedido, como veremos a seguir.

O que ouvir :

O REINO DA IMAGINAÇÃO -  O EXPERIMENTALISMO DOS TEMPOS MODERNOS :

    Uma menção indispensável para o dungeon synth é a sua ligação direta com o mundo dos RPGs de mesa. Tanto é que o gênero começou a ganhar nova vida na mesma época em que a cena do OSR também vinha ganhando força.
    Houve então uma espécie de união entre ambos os públicos, que gerou muitos projetos interessantes em suas propostas e iniciativas.

    O primeiro elemento digno de nota seria a gravadora Italiana Heimat Der Katastrophe (HDK daqui em diante), que desde 2017 vem lançando álbuns em formatos analógicos e digitais de dungeon synth e outros estilos um tanto mais experimentais.
    Focando em uma estética muito mais old school e saudosista  que evoca as artes de módulos antigos para D&D, dungeon crawlers para computadores das décadas de 70 e 80,  livros antigos de espada & feitiçaria de autores desconhecidos e até mesmo todo um aspecto estético oriundo do mundo soviético pós era atômica, a HDK teve grande repercussão na cena  com seus lançamentos diversos e que vem repletos de bônus, como pequenos livretos com aventuras prontas de RPG, para aqueles que se deram ao trabalho de adquirir uma cópia física.

    Alguns nomes notáveis que foram revelados pela HDK foram Kobold, Basic Dungeon e Fvrfvr, como projetos voltados para o universo de RPGs antigos e munidos de melodias em chiptune que remetem diretamente para jogos de computador antigos e até mesmo alguns consoles 8-bit, como o adorado portátil da Nintendo, o Game Boy. Valendo ainda o adendo de que em uma apresentação ao vivo, Lord Cervos, o homem por trás do Fvrfvr usou de um Game Boy ligado em um sintetizador Korg em seu set ( apresentação essa que pode ser encontrada AQUI).

    A HDK ainda conta com muitos outros projetos que são, no mínimo, intrigantes,alguns até beirando o bizarro, mas sempre cativantes e dotados de muita paixão, não apenas por partes dos músicos envolvidos, mas também da gravadora.
     Eu poderia fazer um artigo inteiro falando só sobre o cast variado de artista que a HDK conta em seu roster, mas isso levaria tempo demais, então fica a recomendação de umas das iniciativas mais inovadoras que surgiram junto com o revival do dungeon synth. 

    Ademais, seria impossível deixar de comentar outros dois projetos distintos (porém capitaneados pelo mesmo artista) que trouxeram algo novo e um tanto inusitado para a cena.
    Diplodocus é um projeto que se atém ao tema de dinossauros e períodos pré-históricos e acabou por ganhar a alcunha de "dino synth" (sim, você leu certo) associada ao seu estilo de música um tanto particular. Assim como o projeto Grandma's Cottage (Casa de campo da Vovó)que  tem uma proposta que se difere ainda mais do restante do gênero. Já que o foco aqui é a atmosfera nostálgica que permeia uma "estadia na casa da vovó durante uma manhã de natal". Um tanto especifico, sim, mas não há outra forma de descrever a música contida nos álbuns do projeto em questão.

O que ouvir:

O QUE O FUTURO RESERVA?

   O dungeon synth vem crescendo cada vez mais com o passar dos anos, algo que ficou evidente um pouco antes do pandemia com a realização de eventos dedicados exclusivamente ao gênero, o próprio Mortiis voltando a suas raízes e fazendo shows pelo mundo todo, com um set totalmente dedicado ao seu material antigo, e sem falar no surgimento de cada vez mais selos e distros que carregam exclusivamente o dungeon synth em seus catálogos.
   A criatividade dos artistas que se aventuram pelas masmorras desse gênero musical tão peculiar parece não ter fim. Sejam essas masmorras frias e horripilantes ou até mesmo o palco para aventuras épicas e heroicas.

    No Brasil, alguns poucos projetos apareceram aqui e ali nos redutos mais profundos do underground nacional. Até mesmo um zine chamado adequadamente e simplesmente de "Masmorra" já existiu por aqui.   

   No mais, espero ver novos nomes emergindo, sejam eles exóticos ou firmemente atendo-se as raízes do gênero, pois o dungeon synth é um dos estilos musicas mais interessantes e dignos de notas dos últimos anos. Com sua comunidade crescente, musicalidade distinta e atitude DIY, ele tem tudo para cativar novos ouvintes e inspirar músicos aspirantes.


LINKS:

Dungeon Synth Blog
Dungeon Synth Forum
The Dungeon Synth Archives
Bandcamp/Dungeonsynth
Heimat Der Katastrophe
Out of Season

 

3 comentários:

  1. Já tinha ouvido falar do termo dark ambience, mas sempre chamei de Cthulhu music. rs Compus duas músicas mais voltadas ao tema de fantasia para um áudio drama que fiz. Gostei do resultado e até uso um como vinheta para meus vídeos.

    Rodrigo Martins

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  2. Muito massa mesmo pra quem quer se aventurar nesse estilo maravilhoso o MM deu uma aula de história...Dante tenho orgulho em ser seu irmão do Aço...

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  3. Artigo sensacional meu amigo! Grande abraço!

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