domingo, 19 de fevereiro de 2023

Vazkor, Son of Vazkor, de Tanith Lee - Uma das grandes obras de espada & feitiçaria indéditas no Brasil


* Antes de começar a resenha propriamente dita, já quero ressaltar um pequeno detalhe. “Vazkor, filho de Vazkor” é, na verdade, o segundo livro de uma trilogia chamada “Birthgrave”. Porém, só fiquei sabendo disso ao terminar o livro, no entanto, isso não afetou em nada meu aproveitamento, pois, até onde pude constatar, o primeiro volume funciona mais como uma prequel para os acontecimentos dos livros dois e três. Sem mais delongas, vamos à resenha, boa leitura!

Tanith Lee não é não é um nome muito conhecido entre os leitores de fantasia brasileiros, pois quase nada da autora foi publicado em nosso idioma. Até onde minha pesquisa me levou, apenas alguns títulos de ficção científica chegaram a ser traduzidos para o português, mas acredito que essas publicações tenham sido feitas por uma editora portuguesa. 

Enfim, deixe-me ressaltar o meu desprezo pelo mercado editorial brasileiro, pois a obra da Sra. Tanith Lee é de um peso e nuance como eu nunca havia experimentado antes.

“Vazkor, filho de Vazkor”, é talvez um dos títulos de espada e feitiçaria mais engajantes e viscerais que eu já tive a oportunidade de ler. Escrito em primeira pessoa, neste livro o leitor é convidado a ver um mundo dilapidado e selvagem através dos olhos orgulhosos de Tuvek (mais tarde Vazkor), filho de Etook, líder das tribos de Eshkorek.

Em uma das retratações mais violentas e verossímeis da vida tribal em todos os seus detalhes mais pungentes, que vão desde a escravidão ao barbarismo, acompanhamos o crescimento do jovem Tuvek. 

Totalmente diferente do restante dos demais jovens da sua tribo e de seu pai, o protagonista é praticamente visto como um pária pela sociedade em que vive, mesmo sendo filho do chefe guerreiro. A verdade é que seu pai, Etook,tomou Tathra, mãe de Tuvek, mais como uma concubina do que uma esposa propriamente dita, principalmente por ela se tratar de uma estrangeira.

 Isso cada a relegar Tuvek a ter uma relação muito íntima apenas com sua mãe. Relação essa que quase tem contornos de um complexo de Édipo, mas chegamos a tanto.

Vou evitar ao máximo discutir spoilers, mas através dos anos, Tuvek, agora já um homem feito, parte em uma missão de resgate de homens de sua tribo que foram feitos prisioneiros por estranhos forasteiros mascarados. Após sua incursão de resgate, Tuvek se surpreende ao descobrir que é dotado de extraordinários poderes, como o dom das línguas e entre outros mais drásticos e violentos.

Após descobertos esses poderes, assim como revelações sobre seu passado e legado, Tuvek, agora assumindo o nome de Vazkor, deixa as tribos de Eshkorek e vai viver com os homens mascarados que antes haviam capturado os guerreiros de sua tribo. O que apenas acaba por revelar mais ainda sobre o seu passado e planta a semente da vingança contra aqueles que um dia cruzaram o seu caminho.

Não vou me aprofundar mais na história, pois não quero mesmo dar nenhum spoiler, no entanto, quero discutir um pouco dos aspectos mais técnicos do livro e da trama daqui para frente.

O fato do livro ser escrito em primeira pessoa acaba por causar uma impressão muito forte quanto as perspectivas e até mesmo dos preconceitos do protagonista. A verdade é que durante os primeiros capítulos, Vazkor é um um personagem que até causa repulsa, dada a sua arrogância e presunção quanto ao mundo que o rodeia. Mas, vale muito ressaltar, que acompanhamos o crescimento de Vazkor, não apenas como guerreiro, mas como homem e, posteriormente, para algo ainda maior. 

De todos os personagens bárbaros que já conheci, e não foram poucos, Vazkor talvez seja o mais humano e trágico, mesmo que suas dores e amarguras só se tornem evidentes no final da trilogia. 

Esse seja talvez um dos livros mais humanos de espada e feitiçaria dos quais já li, no bom e mal sentido. Tendo em vista que todos os personagens são extremamente passionais e tem reações voltadas para suas ambições e desejos mais sórdidos. 

Quase como uma romance clássico, há muitas intrigas e conspirações que permeiam todo o caminho do protagonista, que motivado pela sede de vingança, se vê contra tudo e todos em sua busca.

Claro, dadas essas nuances, a obra parece deixar um pouco de lado suas raízes na espada e feitiçaria em favor ce empregar elementos de novelas de mistérios, assim como tons altamente contemplativos (principalmente no terceiro volume da trilogia, Quest for the White Witch, que pretendo resenhar em breve também), mas essas divergências com a fantasia heróica não são detratoras para a trama como um todo, muito pelo contrário.

A verdade é que o estilo de escrita de Tanith Lee é repleto de detalhes minuciosos, mas extremamente vivos e que dão à sua obra uma aura muito distinta. Quase como se aquela aventura fantástica habitasse em nossa realidade. As culturas e os costumes dos povos retratados aqui são extremamente distintos e complexos, sendo ainda mais realçados pela perspectiva em primeira pessoa e a impressão do protagonista sobre aqueles países e pessoas.

Justamente por esses contornos e sutilezas que tornam “Vazkor, filho de Vazkor” um dos títulos de espada e feitiçaria mais críveis que já li, os atos de violência, sejam eles no campo de batalha, sexuais ou até mesmo psicológicos, são muito mais acentuados pela aura de realidade impressa neste livro de 220 páginas.

Minhas considerações finais? É um crime que toda a trilogia de Birthgrave nunca tenha sido publicada por aqui! Se eu tivesse uma editora, publicar esses três livros seria minha prioridade número um!